Relato Mensal da Profa. Daiane Dordete, membro do Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina, representante do setor teatral



Florianópolis, 10 de maio de 2018. 
*Relato escrito pela Conselheira Daiane Dordete.

Relato 01: uma estranha no ninho?

Em julho de 2017 assumi a cadeira da FECATE no Conselho Estadual de Cultura (CEC) de SC, em um processo eleitoral experimental e inovador da FECATE para este fim. Assim, exposta a fratura temporal, assumo que este relato nasce tardio neste meio de comunicação com o setor, embora haja a tentativa de fazê-lo mais presente e direto com a diretoria e demais conselheiras e conselheiros e ex-conselheiras e ex-conselheiros da FECATE desde minha posse.

Pretendemos com este relato inicial estabelecer um espaço periódico direto de reflexão e comunicação sobre questões debatidas e deliberadas pelo CEC em suas reuniões, direcionando-nos para questões que nos parecem não apenas pertinentes, mas também primordiais à classe teatral de Santa Catarina, bem como a outros segmentos da cultura de nosso estado. Escrevo pretendemos, assim na primeira pessoa do plural, por ser este um objetivo (e um desafio) tanto meu quanto da própria equipe diretiva da FECATE, já que exige abrir mais tempo de trabalho nas vidas onde o trabalho já deixa as pessoas sem tempo. Importante salientar que para conhecimento mais amplo e frequente de todas as questões debatidas nas reuniões do CEC basta acessar as atas completas na página do conselho (http://conselho.cultura.sc/atas/).

Nunca fui conselheira de cultura antes.  Fui da Associação Joinvilense de Teatro (AJOTE), da Federação Catarinense de Teatro (FECATE), do Sindicato de Professorxs da UDESC (APRUDESC)... mas confesso que como atriz, diretora, dramaturga, produtora cultural, professora universitária, pesquisadora, extensionista e mulher me senti em um primeiro momento uma estranha no ninho neste conselho. Não estranha por não reconhecer as pautas discutidas, as pessoas ali presentes ou as instituições ali representadas, ou mesmo sua importância e legitimidade... era um estranhamento que eu (ainda) não sabia explicar.

Desculpem se me permito esta crônica misturada aos relatos que escrevo. Mas penso ser importante localizar nesta primeira tentativa de interlocução mais abrangente com artistas do teatro catarinense os lugares e experiências a partir dos quais eu falo/penso/escrevo.

O atual CEC tomou posse em julho de 2017, e recebeu como herança uma sugestão de pauta de trabalho criada pelxs representantes da última gestão. Dentre os desafios elencados estavam a aprovação do projeto de lei do Sistema Estadual de Cultura, a articulação para garantia de execução das leis estaduais da cultura - principalmente o Prêmio Catarinense de Cinema e o Prêmio Elisabete Anderle, a articulação para a criação de uma secretaria estadual própria para a cultura, a realização anual do Fórum de Conselhos Municipais de Cultura, a luta por emendas parlamentares para o setor, a mobilização para garantir aumento do orçamento para a cultura na LOA, etc.
Fora estes desafios, que foram debatidos e elencados em um planejamento estratégico do CEC para o mandato 2017-2019, existem as demandas de todos os tipos que chegam diariamente à secretaria do CEC e às/aos conselheirxs. São solicitações de apoio a ações através de moções ou da presença/fala de conselheirxs, articulação política entre instituições, grupos e pessoas, etc. Ainda é responsabilidade do CEC a organização da consulta pública e do evento de entrega da Medalha Cruz e Sousa de Mérito Cultural, além de análise e emissão de pareceres de projetos do SEITEC/FUNCULTURAL.

Foi no meio destas e outras demandas de trabalho que iniciei minha jornada como conselheira no CEC. No segundo semestre de 2017 muitas forças estavam centradas na tramitação para aprovação do PL (projeto de lei) do SIEC (Sistema Estadual de Cultura), que foi aprovado no início de 2018, deixando para este CEC o desafio de trabalhar conjuntamente à SOL para sua implementação.

O ano de 2018 iniciou com um verdadeiro frisson no ambiente cultural, não apenas pela aprovação do PL do SIEC, com todas as suas falhas e necessidades de complementações e revisões posteriores à implementação, mas principalmente pela instabilidade na gestão pública estadual da cultura. A primeira “novidade” foi o anúncio feito pelo iminente ex-secretário da SOL, Leonel Pavan, de dois programas de transferência do FUNCULTURAL para os municípios, através de um video improvisado, gravado na SOL, que ainda deve estar disponível na internet. Estes editais foram elaborados e lançados sem consulta à FCC ou à sociedade civil, e acabaram por consumir grande parte da verba alocada para a cultura na SOL, que poderia garantir, por exemplo, o lançamento do prêmio Elisabete Anderle deste ano.

Com a renúncia anunciada de Colombo para concorrer ao senado, Pinho Moreira, que assumiria o governo em seguida, já projetava diversas reformulações visando ao “enxugamento da máquina pública”, e dentre elas, a possível extinção da SOL. Sabemos que o sistema unificado desta secretaria, que abraça turismo, cultura e esporte, não funciona. Ao contrário, ele prejudica a autonomia da área cultural, cuja gestão poderia estar concentrada na FCC como órgão independente, ligado ao gabinete do governador, ou mesmo em uma secretaria própria de cultura, capaz de garantir, gerir e executar seu orçamento.

Anunciada esta possibilidade, o trabalho se concentrou em tentar garantir o orçamento e a autonomia da pasta, ou seja, a não vinculação da FCC à secretaria da educação, possibilidade também anunciada por Pinho Moreira, caso a SOL fosse extinta. Se vinculada à SOL os recursos da FCC já eram escassos, vinculada à Educação eles poderiam se tornar inexistentes.

Assim, estes dois assuntos foram pauta da primeira reunião do CEC deste ano de 2018, extraordinária, solicitada por conselheiras e conselheiros da sociedade civil, no início de fevereiro. Nesta reunião, tivemos a presença de representantes da SOL, que tentaram justificar o injustificável através de prolixismo.  Resultado: a possível verba que garantiria e realização de uma lei estadual (prêmio Elisabete Anderle) estava escorrendo das mãos da sociedade civil para o ralo das gestões públicas dos municípios.

Foi especulada a extinção da SOL, vinculação à secretaria de  educação, vinculação ao gabinete do governador..... mas… a SOL não foi extinta. Após alguns dias sem gestor responsável, foi anunciado o nome de Tufi Michreff para o cargo, em abril.

Antes disso ainda, no início de abril, Rodolfo Pinto da Luz deixou o cargo de presidente da FCC para concorrer a deputado estadual. Assumiu interinamente, e depois oficialmente, Ozéas Mafra Filho, que já estava trabalhando na fundação.

Deste modo, o governo Colombo deixou para a cultura um histórico de diversas mudanças de gestores, principalmente na FCC, o que dificultou o atendimento a demandas antigas do setor no estado, como o cumprimento dos próprios marcos legais, tais como os prêmios de cinema e o Anderle, que deveriam ter periodicidade anual.

Uma conquista a duras penas foi o lançamento do Prêmio Catarinense de Cinema deste ano. O prêmio é resultado de um convênio entre FCC e ANCINE, que foi prorrogado algumas vezes até o governo do estado repassar o montante de sua responsabilidade de recurso à SOL/FCC para este fim. Uma vitória!

Outro assunto que merece destaque é que desde o ano passado, e mais enfaticamente neste ano, a FIESC está trabalhando em um projeto de fomento ao setor cultural, principalmente na área da economia criativa. Existe, por parte da federação, um incentivo à renúncia fiscal por parte da indústria catarinense a projetos do chamado Fundo Social, que incluem, dentre outras, a Lei Rouanet. Segundo estudo da FIESC, o setor industrial do estado teria capacidade de investir uma média de 80 milhões ao ano na cultura, via Lei Rouanet, mais do que o dobro do que investe atualmente. Em março, representantes da FIESC estiveram em reunião do CEC, e apresentaram estudos e o projeto do Fundo Social. Todavia, o projeto apresentado tinha como foco apenas a chamada indústria criativa, englobando áreas como audiovisual, moda e design. A economia da cultura, como setor econômico de todas as linguagens artísticas, cultura popular, patrimônio, etc, não foi totalmente contemplada nesta proposta inicial. Assim, na minha opinião, é preciso que a FIESC conheça e reconheça melhor as especificidades da área cultural, porque no momento o discurso inclui a cultura apenas no âmbito do turismo cultural com foco na indústria criativa. A boa notícia é que uma das cadeiras do poder público no CEC é ocupada por uma representante da FIESC, o que possibilita um contato mais direto e próximo com esta federação. O CEC manifestou seu interesse em que a FIESC incentive as empresas a investir nas leis de renúncia fiscal do fundo social, principalmente nas do setor da arte e da cultura, e sugeriu também a organização de editais próprios para este fim. Seria, de fato, uma ótima estratégia de fomento à cultura no estado, tendo em vista que muitas empresas têm receio, desconfiança ou desinteresse por incentivo à cultura via renúncia fiscal garantida por leis de incentivo.

Na área das artes cênicas, tivemos (e estamos tendo) discussões de artistas cênicos e técnicos de espetáculos em relação à ADPF 293, de 2013, de iniciativa da Procuradoria Geral da República, que solicita o fim da exigência do diploma superior ou técnico ou, quando da ausência deste, do Atestado de Capacitação Técnica para a emissão do registro do DRT para profissionais e técnicos de espetáculos de diversão, através da Lei 6.533/1978. O processo encontra-se nas mãos da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, e estava previsto na pauta da audiência do dia 26/04/18, porém, a pedido do Sindicato de Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversão (SATED) de São Paulo, foi retirado de pauta recentemente. Deste modo, compreendendo a complexidade da discussão e querendo esclarecer os impactos desta possível desregulamentação da profissão de artistas e técnicos de espetáculos, tanto em relação às exigências de formação, quanto em relação aos impactos nos contratos de trabalho e direitos trabalhistas, a FECATE, após reunião e através de sua representação, solicitou ao CEC a realização de uma mesa de discussões sobre o tema, aberta à plena participação da sociedade civil interessada, sendo necessária para tal o apoio da assessoria jurídica da SOL, para que as questões legais possam ser esclarecidas e as dúvidas dirimidas. Com o apoio da assessoria jurídica da SOL, o CEC poderá definir a formação desta mesa de discussão e uma data para a realização do evento. O CEC acatou o pedido e solicitou o apoio à SOL para podermos realizar esta mesa de discussão ainda neste semestre.

Outro momento importante do CEC neste ano se deu a partir da formação de um grupo de trabalho para auxiliar a SOL na implementação do SIEC e, mais especificamente, para organizar a proposta do novo regimento do próximo CEC, que será implantado em julho de 2019. Uma das mudanças do novo regimento será a paridade de cadeiras entre poder público e sociedade civil, que terão cada qual 10 assentos no conselho. Atualmente o poder público conta com um assento a mais. Neste processo, foi realizada pelo CEC uma consulta pública e uma reunião ampliada para a definição de 02 das 10 cadeiras da sociedade civil a partir de 2019, considerando que 08 delas já seriam áreas consolidadas no setor cultural do estado (teatro, artes visuais, música, dança, cultura popular, patrimônio, literatura e audiovisual). Findo o período definido para a consulta pública, o grupo de trabalho agrupou em 15 as sugestões, que foram levadas à reunião ampliada do CEC dia 03 de maio para defesa tanto do público presente quanto dxs conselheirxs. Esta reunião aconteceu no auditório da SOL. Eu defendi as áreas de arte-educação e circo, focando minha fala no aspecto da formação em arte e cultura previsto no Plano Nacional de Cultura, e na defesa de cadeiras que realmente incluíssem a representação da sociedade civil no CEC. Perdi. Perdeu também o hip hop, a moda, o design, a arte digital, e tantas outras áreas que demandam assento e representação neste conselho. A maioria dos votos (abertos) dxs conselheirxs do CEC presentes naquele dia elegeu as áreas de patrimônio imaterial e arquivos, museus e bibliotecas para comporem o novo CEC nos assentos destinados à sociedade civil. Sem querer questionar a importância e a legitimidade tanto das áreas escolhidas quanto do processo, fica a minha pergunta: será mesmo a sociedade civil que estará representada nestas cadeiras? Ou serão órgãos, setores, instituições governamentais que ocuparão estes assentos? Apesar de o novo regimento prever eleições setoriais para a escolha dxs representantes, não imagino ainda pessoas que não estejam ligadas ao setor público e a instituições públicas ocupando estas cadeiras, por serem estas áreas de atuação predominante do poder público. Choradas as pitangas, posso afirmar que a reunião foi muito produtiva pela possibilidade de ouvir tantas pessoas de distintas áreas defendendo setores da cultura e das artes, com experiências, demandas e projeções distintas. A cultura estava representada em sua diversidade e complexidade nesta reunião!

Outra mudança que poderá acontecer no novo CEC será a eleição por pares para a composição da mesa diretiva do conselho, com presidência e vice-presidência inscritas por chapa, composta por representantes das cadeiras do setor público e da sociedade civil, e eleita em processo realizado entre todxs xs conselheirxs. Atualmente o presidente do CEC é indicado pelo governador. Esta será a próxima etapa de trabalho do atual CEC no caminho da aprovação do novo regimento interno. Considero esta mudança um avanço na construção democrática deste conselho.

O CEC segue ainda auxiliando também na organização do II Fórum de Conselhos de Cultura de Santa Catarina, que acontecerá entre os dias 02 e 03 de julho, em Chapecó. Será um importante momento de diagnóstico, compartilhamento de demandas e estratégias de ação, e de fortalecimento das áreas do setor cultural do estado, através da presença dos conselhos municipais de cultura. É necessário fortalecer as redes, unir forças, compartilhar estratégias e experiências, para resistir.

Dia 08 de maio, tivemos a primeira reunião descentralizada do CEC deste ano. Ela aconteceu em Bombinhas, antecedendo o VIII Fórum Catarinense de Gestores Municipais de Cultura. A reunião foi na Câmara de Vereadores da cidade, e teve uma grande presença de artistas, gestorxs e produtorxs culturais da cidade e região. Foi uma reunião dialógica e estimulante, para mim, principalmente, porque me fez compreender a origem da minha sensação de estranha no ninho no CEC: a falta de relação direta e constante com quem o conselho representa, sejam setores e áreas da arte e da cultura da sociedade civil ou do poder público. A qualidade dos diálogos que estas duas experiências diferentes de reuniões (ampliada e descentralizada) deste ano proporcionaram me faz perceber a urgência do conselho de evadir sua pequena sala de reuniões na FCC, onde mal cabem outras pessoas que não xs próprixs conselheirxs, e ocupar espaços mais amplos que possibilitem a presença de interlocutorxs. É apenas a partir desta aproximação que eu percebo a possibilidade do CEC ampliar seu poder político, que se dará a partir do fortalecimento de sua relevância social, neste diálogo direto e aberto com a sociedade. Como órgão consultivo e fiscalizador, o CEC não detém de nenhum poder de decisão sobre os rumos da cultura no estado. Para que sua atuação seja mais relevante, o próprio CEC precisa se fortalecer politicamente no diálogo com sua base, ou seja, os integrantes dos setores, áreas e linguagens representadxs no próprio conselho. Em um período de desmonte econômico e político, que se reflete no desmonte das políticas públicas em todas as áreas, incluindo a cultura, o fortalecimento de uma área ou setor se dá através da formação de redes, parcerias, da aglutinação de interesses, ideias e forças.

Precisaremos de muita força para cumprir os desafios assumidos por esta atual gestão do CEC. Queremos o respeito com os marcos legais e regulatórios, começando pelo lançamento do Prêmio Elisabete Anderle deste ano, compromisso assumido pelo novo secretário da SOL na reunião ampliada de 03 de maio. Queremos o investimento estadual mínimo de 1% do orçamento público para a cultura (a lei do SIEC prevê 1,5%, e atualmente temos os irrisórios 0,01%). Queremos uma secretaria exclusiva para a cultura. Queremos governantes e gestores que não vejam a cultura como acessório supérfluo na sociedade, mas sim como elemento estruturante simbolica, econômica e socialmente. Queremos condições de trabalho para o CEC, com previsão de orçamento para os fóruns e reuniões descentralizadas, infraestrutura e equipe de secretaria e comunicação, pois atualmente contamos com apenas 01 técnico da SOL que acumula todas as funções que antigamente eram realizadas por 03 pessoas, quase nenhuma disponibilidade de transporte e orçamento zero. Queremos que a cultura seja respeitada e valorizada, com autonomia de gestão e orçamento para manutenção e fomento.  

Este segundo semestre do ano, com campanhas políticas e processo eleitoral, inibirá qualquer projeção clara e objetiva sobre o futuro da cultura no estado, sobre o que nos espera. Então, trabalhadoras e trabalhadores do teatro de Santa Catarina: já passou da hora de nos unirmos! Vamos aproveitar a oportunidade trazida pelo projeto Rosa dos Ventos, da FECATE, patrocinado pelo Anderle do ano passado, e nos reunir para discutir os (possíveis) rumos do teatro catarinense. Maiores informações sobre o projeto podem ser obtidas no site desta federação.