Acompanhe aqui mensalmente: Relato da Representante do Teatro Daiane Dordete no Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina (CEC)


Relato 03: é preciso estar atenta e forte....

Cadê o Anderle? É o que todo o povo da cultura pergunta. Entra ano, sai ano, e o Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura continua sendo uma lei que o estado de Santa Catarina se arrasta para cumprir. Enquanto isso, os milhões do FUNCULTURAL continuam escorrendo para as mãos de prefeitxs, algumxs produtorxs e gestorxs culturais, ou para o pagamento de custeio (!). A cada momento, uma novidade. Início do ano tivemos o anúncio express dos programas de transferência de milhões em recursos do FUNCULTURAL apenas para municípios, feito pelo então secretário da SOL Leonel Pavan “minutos” antes do mesmo deixar o cargo para concorrer a outro cargo público nas eleições deste ano. No fim de maio tivemos o “caso camerata”, que envolveu outros milhões e que foi discutido na reunião do CEC no início de maio (e sobre o qual discorri em meu relato anterior). Agora em julho, dançamos com outro milhão para manter a anuidade dos repasses milionários do FUNCULTURAL ao Instituto Festival de Dança de Joinville, para compor o orçamento do festival deste ano.

Dou uma pausa neste segundo parágrafo para um momento de respiração profunda na escrita, pois me senti pessoalmente imbricada e desconfortável nesta última situação. Talvez porque tudo aconteceu em uma sexta-feira 13, e apesar do 13 ser meu número da sorte, meu imaginário é repleto das memórias doblock bluster “Sexta-feira 13” que eu assistia em minha infância. Então, foi uma sexta-feira 13 de tensão.

Em 10 de julho o CEC recebeu uma solicitação do secretário da SOL, Tufi Michreff Neto, para que a reunião ordinária prevista para acontecer em 17 de julho fosse antecipada para 13 de julho com o objetivo de “tratar assuntos pertinentes desta secretaria de Estado”. Pois bem, a solicitação, com justificativa genérica, foi acatada, e nos reunimos nesta data tendo como primeiro item de pauta a “Análise de projeto SEITEC ADR” pela a câmara de artes cênicas, que deveria se reunir uma hora antes do restante do CEC, a fim de analisar e elaborar o seu parecer. Esta câmara, da qual sou membra, é composta por mais uma conselheira e um conselheiro, que não puderam comparecer à reunião antecipada. Em algum momento anterior à reunião surgiu a informação de que este seria um projeto para repasse de verbas ao Instituto Festival de Dança de Joinville. Cheguei à FCC um pouco depois das 13h30 e já havia lá outros dois conselheiros designados pelo presidente do CEC para compor temporariamente a câmara de artes cênicas, seguindo o rito regimental devido à impossibilidade de presença dos demais membrxs permanentes desta câmara. Sentei-me à mesa com meus colegas, que já haviam analisado o projeto, e tive contato com o mesmo, que pleiteava repasse no valor de R$ 1.000.000,00 do FUNCULTURAL, via ADR de Joinville, apresentando documentações e análises jurídicas comprovando que o processo havia seguido a tramitação prevista pela Lei Federal N. 13.019 de 2014, o marco regulatório de convênios com organizações da sociedade civil. Após uma leitura dinâmica do imenso processo, posicionei-me aos meus colegas de câmara pro tempore de artes cênicas contrária ao repasse, tendo em vista que a Lei Estadual N. 15.503/2011, que institui e prevê a anualidade do edital Elisabete Anderle ainda não tinha sido cumprida em 2018 e a verba viria do mesmo lugar, ou seja, do FUNCULTURAL.

Percebendo a insistência de meus colegas pela aprovação do repasse, tendo em vista os inúmeros e inquestionáveis predicados do Instituto e do Festival de Dança de Joinville, sem encontrarmos consenso nesta câmara pro tempore, convidei outra conselheira e outro conselheiro para fazer parte da discussão, os quais concordaram com meu posicionamento de não aprovação da concessão de recursos. Todavia, como os membros temporários indicados pela presidência do CEC para a composição pro tempore desta câmara, a qual eu estava presidindo tambémpro tempore, não acataram minha posição, anunciei ao pequeno grupo minha retirada da reunião, pois eu não assinaria a aprovação do repasse como presidenta pro tempore da câmara, por não concordar com a concessão pelo já exposto (necessidade de priorizar a verba do FUNCULTURAL para garantir o lançamento do edital Elisabete Anderle de 2018).

Respire fundo comigo, pois a sequência da narrativa é homérica.

Após meu anúncio de retirada, uma pausa dramática. Meus colegas de câmara pro  tempore recuaram e pediram então para eu escrever o parecer que eu julgava adequado.

Com o auxílio de um dos colegas, escrevi o seguinte parecer: “O processo está legalmente amparado e instruído, conforme expõem os pareces técnicos e jurídicos juntados. O proponente e o objeto do convênio, a saber o 36º Festival de Dança de Joinville, têm mérito cultural e social inquestionáveis, haja vista a longevidade e projeção nacional e internacional do evento. Todavia, o estado de Santa Catarina, assim como os demais estados da federação, passa por uma séria crise financeira, que se reflete no contingenciamento de recursos para as suas ações e compromissos de toda a sorte. Citamos, por exemplo, que a área da cultura possui um de seus marcos legais, o Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, instituído pela Lei Estadual N. 15.503/2011, com previsão de realização anual, e que até o momento não foi lançado. Este edital é um dos poucos marcos legais para o setor em nosso estado, e garante a realização de diversas ações artísticas e culturais em uma gama de linguagens e áreas da arte e da cultura catarinenses. O valor do edital em 2017 foi de 5,6 milhões, utilizados para o financiamento a 175 projetos contemplados de um montante de 1.803 projetos inscritos. Estes recursos fomentaram a economia da cultura (ou economia criativa) do estado, e subsidiaram o trabalho e sobrevivência de grupos, entidades e artistas de diversas áreas do setor. Deste modo, mesmo compreendendo a legalidade e o mérito deste convênio para o repasse de R$ 1.000.000,00 para a realização do festival supracitado, esta câmara de artes cênicas não pode se eximir de um posicionamento político em relação a esta situação, a partir da análise ampliada do contexto econômico do estado, do setor e de seus marcos legais. Assim sendo, compreendemos que todo e qualquer recurso financeiro disponível no estado de Santa Catarina pelo FUNCULTURAL deve ser PRIORIZADO PARA O LANÇAMENTO DO EDITAL ELISABETE ANDERLE DE 2018, priorizando a distribuição democrática de recursos para a cultura no estado de Santa Catarina. O Festival de Dança de Joinville já possui outros patrocinadores e apoiadores, de acordo com o material gráfico já divulgado, pois o evento iniciará na próxima semana, dia 17/07/18. Pelo exposto, esta câmara vota pela não aprovação desta concessão de recurso. É este o parecer.”.

A reunião do CEC iniciou oficialmente enquanto eu ainda finalizava o parecer. Entre xs presentes não estava o secretário da SOL, que solicitou a antecipação da reunião, mas sim o interessado direto na aprovação do repasse: o presidente do Instituto Festival de Dança de Joinville. Sabemos que as reuniões dos colegiados públicos como o CEC são públicas, e estamos empreendendo esforço no sentido de divulgar esta informação e aumentar a participação da sociedade civil nas mesmas. Todavia, a presença dxs proponentes de projetos que demandam recursos do FUNCULTURAL é no mínimo conflituosa, ainda mais quando estes ganham espaço para defender seus projetos, como foi o caso.

Após muita discussão, a situação construída nesta reunião (ou foi tudo acaso?) me pressionou a ter que defender não só o Anderle, mas também minha consideração ao Festival de Dança de Joinville e à Joinville, cidade onde nasci. Na minha mente já vislumbrei as possíveis manchetes jornalescas: “conselheira estadual de cultura natural de Joinville prejudica a realização do Festival de Dança de Joinville”, ou “Professora do departamento de Artes Cênicas da UDESC que defende a implementação do curso de dança na UDESC prejudica a realização do Festival de Dança de Joinville”. Nada disso me foi falado diretamente, mas os discursos de defesa parcial desta aplicação de recursos do FUNCULTURAL em UM ÚNICO EVENTO E PARA UM ÚNICO PRODUTOR CULTURAL colocou estas manchetes imaginárias na minha cabeça.

No meio da discussão foi exposta a falta de consenso da câmara pro tempore de artes cênicas neste parecer, foi feita uma proposta substitutiva de aprovação por outro membro do colegiado, até que finalmente eu solicitei alteração do parecer, após rápida consulta a meus colegas temporários de câmara: a alteração do texto final: “Pelo exposto, esta câmara vota pela não aprovação desta concessão de recurso. É este o parecer” por “Pelo exposto, esta câmara aprova esta concessão de recurso, com a ressalva de cumprimento do marco legal da Lei Estadual N. 15.503/2011, ou seja, o lançamento do edital Elisabete Anderle de 2018. É este o parecer.”.

Esta última versão do parecer foi aprovada e os ânimos acalmados. A reunião seguiu com outros pontos de pauta. Ao término da reunião, um conselheiro se aproximou de mim para me dizer que eu deveria ter mantido meu posicionamento anterior, para que o Anderle fosse lançado e as políticas de balcão iniciassem o seu fim. Atordoada por tudo o que tinha acontecido, nem lembro o quê respondi. Mas após digerir esta sexta-feira 13, fico pensando: é muito fácil querer que uma só pessoa seja colocada como mártir de uma causa, podendo ser atacada publicamente por uma decisão como essa, possivelmente resumida em 3 linhas de uma nota tendenciosa de jornal, e, claro, descontextualizada de toda a luta da classe artística catarinense. Porque afinal de contas estamos falando do maior festival de dança do país, que movimenta em grande escala a economia da cidade no mês de Julho (e consequentemente a arrecadação do Estado), permite compartilhamentos de trabalhos e experiências, espaços de formação e fruição, formação de público, etc. Mas eu não quero ser mártir. O que eu quero é que os marcos legais da cultura sejam respeitados, as demandas da sociedade civil sejam atendidas, e que a cultura não seja tratada como adorno, recebendo pequenas migalhas orçamentárias. Cultura é sinônimo de desenvolvimento social e econômico, e precisa de orçamento e transparência. Merecemos respeito, e que este respeito inicie com o posicionamento maduro deste conselho e com o diálogo aberto e direto com a sociedade civil e o poder público. Afinal, “a gente não quer só comida”.

Anteriormente a este evento, tivemos uma reunião ampliada do CEC em junho, no cinema da FCC, para discutir a Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 293, de autoria da Procuradoria Geral da República. Esta pauta foi uma demanda da FECATE, e foi formada uma mesa de discussão para aprofundar e qualificar o debate sobre o tema, pois apesar da ADPF 293 ser de 2014, ela voltou a ser ponto de discussão na classe de artistas e técnicxs de espetáculos em abril deste ano, pois estava na pauta do Supremo Tribunal Federal para julgamento. Após movimentos de artistas e técnicxs do país inteiro, a presidenta do STF Carmen Lúcia retirou este ponto de pauta, que se encontra sobrestado e voltará a julgamento em algum momento.

A mesa foi formada pela assessora Jurídica da SOL, pelo assessor jurídico do SATED-SC, pela vice-presidente da FECATE (Bárbara Biscaro), pelo presidente da APRODANÇA (Maxwell Sander Flor) e pelo professor da UDESC Edélcio Mostaço, que auxiliou na elaboração da Lei . 6.533, de 1978.

A assessora jurídica da SOL explicitou e dirimiu as dúvidas sobre o texto da ADPF 293, sendo que ressaltou a diferença entre qualificação e regulamentação profissional. Muito foi discutido sobre a questão da regulamentação profissional estar vinculada prioritariamente àquelas profissões que representam “risco potencial” para a população, como médicxs, arquitetxs, engenheirxs, advogadxs, mas a regulamentação profissional define outas questões, como piso salarial, jornada de trabalho, entre outros aspectos que permeiam a atividade dxs trabalhadorxs da área. Já a qualificação exigida para o registro profissional, que a lei de 1978 também prevê, tem nesta legislação um embate muito grande pelo modo com que a atuação sindical foi sendo historicamente construída. A lei prevê que o registro profissional pode ser solicitado ou com a apresentação de diploma de formação na área (ensino técnico ou superior) ou através de apresentação ao sindicato da categoria (SATED) de documentação comprobatória de horas de ensino não formal (cursos livres, cursos de extensão, etc.) e participação em espetáculos na área de registro profissional pretendida, para poder ser avaliadx por uma banca de profissionais em provas teóricas e práticas.

A grande discussão está diretamente centrada neste último ponto: a atuação sindical dos SATEDs fica centrada em muitos estados não na representação e defesa de direitos trabalhistas da classe, mas sim nos processos de avaliação de candidatxs ao registro profissional de técnicxs e artistas, que recebe muitas críticas tanto pelo formato quanto pelos altos valores cobrados.

Foi compreendida a necessidade de atualização da lei de 1978, que é anterior à constituição de 1988 e que precisa ser atualizada para dialogar com as transformações que aconteceram na área das artes cênicas e na sociedade nos últimos 40 anos, e com as demandas de alteração das relações sindicais da área. Todavia, a ADPF fragilizaria a área no sentido de não ser uma legislação que substituiria a anterior, e sim um instrumento de veto de alguns itens da lei de 1978 apenas.

Neste sentido, após a longa discussão e colhendo os argumentos levantados pelas pessoas presentes nesta reunião ampliada, propus o seguinte texto, que foi aprovado pelxs presentes e enviado recentemente ao Supremo Tribunal Federal, onde a ADPF 293 está sobrestada: “O Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina, em reunião ampliada conjunta ao Conselho Municipal de Políticas Culturais de Florianópolis-SC, reconhecendo:
a necessidade de atualização da Lei 6.533 de 1978, por meio de consultas públicas para elaboração de uma nova legislação profissional a artistas e técnicas/os de espetáculos, que dialogue com a contemporaneidade brasileira e internacional nesta área;
a necessidade da plena implementação, consolidação e execução do Plano Nacional de Cultura (2010) e seus planos setoriais, bem como dos Sistemas e Planos estaduais e municipais brasileiros, além da garantia de respeito aos marcos legais do setor cultural e da retomada do Conselho Nacional de Políticas Culturais;
a arte como área própria do conhecimento humano, direito social e espaço deconstrução de cidadania (LDB 1997);
a necessidade de espaço para as artes nos currículos do ensino básico, através da obrigatoriedade do ensino das artes em suas diferentes linguagens;
Vêm a público manifestar o seu repúdio à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 293, de autoria da Procuradoria-Geral da República. Esta moção de repúdio é fruto da reunião ampliada para discussão deste tema, realizada em 19 de junho de 2018, no Centro Integrado de Cultura, em Florianópolis-SC. As conselheiras e os conselheiros, bem como demais membros da sociedade civil presentes, compreenderam que esta ADPF 293 pode ocasionar a fragilização e precarização da atuação profissional de artistas e técnicas/os de espetáculos, bem como do sistema educacional de formação em nível superior em Artes no Brasil, por prever a revogação de um artigo da Lei 6.533 de 24 de maio de 1978, e um artigo do Decreto 82.385 de 05 de outubro de 1978, que discorrem sobre o “registro do Artista ou Técnico em Espetáculos de Diversões”, sem oferecer, contudo, estratégia de substituição destes artigos.

Neste sentido, compreendemos que esta ação incorre em erro na tramitação proposta como ADPF, e que estas alterações, que são necessárias para atualização da lei, devem ser feitas apenas após audiências públicas nos diversos estados do país, e elaboração de um novo Projeto de Lei que possa substituir a legislação vigente.”.

Muita coisa pode ser discutida sobre a ADPF 293, e certamente esta reunião não esgotou o assunto. Existem interpretações e argumentos contrários, outras perspectivas, enfim... Todavia, foi este o espaço que tivemos para algum aprofundamento no tema e tomada de posição antes que o assunto se tornasse extemporâneo.

Na sequência não cronológica deste relato, deixo registrado ainda que nos dias 02 e 03 de julho ocorreu o II Fórum estadual dos conselhos municipais de cultura, em Chapecó, do qual eu não pude participar. Algumas informações e materiais sobre o fórum estão presentes no site do CECpara quem tiver interesse em acessar. Em breve será publicada a Carta de Chapecó, com a síntese das discussões e deliberações tomadas no fórum pelxs presentes.

*http://conselho.cultura.sc/material-apresentado-no-ii-forum-de-conselhos-de-cultura-de-sc/

Finalizo este relato com o texto da “Moção de Repúdio ao cancelamento do espetáculo teatral Sebastian no 23º. FESTINVER”, em Gaspar, aprovado na última reunião do CEC, dia 07/08/18. O texto da moção explicita o contexto deste ato de censura às artes, ação que lamentavelmente tem se tornado uma das características do Brasil pós-golpe.

Na minha leitura, uma temática comum perpassa estas situações de censura: questões que tangenciam gênero e sexualidade, principalmente quando estas se aproximam da mitologia ou dos dogmas das religiões. Porém, tão lamentável quanto estes atos de censura, é ter que defender no Conselho Estadual de Cultura, nas universidades, nas famílias, nas esquinas e em todo lugar que os direitos da comunidade LGBT+ e das mulheres estão longe de ser “assunto superado”, assim como os direitos da comunidade negra, das comunidades indígenas, das pessoas com necessidades especiais e de toda a classe das minorias sociais. Eu poderia falar aqui sobre uma infinidade de questões, como oportunidades de acesso ao estudo e ao trabalho, salários igualitários, direitos sobre o próprio corpo (como o aborto), casamento civil e direitos patrimoniais, licença-maternidade e licença-paternidade, creches, representatividade social, etc. Mas vou me ater a três questões essenciais: o direito de ir e vir nas cidades, sem ser assediadx, estupradx ou espancadx por conta de seu gênero ou sexualidade; o direito de ser quem você é; e o direito de amar.

Simone de Beauvoir disse há quase um século que “basta uma crise política, econômica ou religiosa para os direitos das mulheres serem questionados”. Eu atualizo este pensamento dizendo: basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres, da comunidade LGBT+, dxs pobres, dxs trabalhadorxs, da comunidade negra, da comunidade indígena, dxs quilombolas, das pessoas com necessidades especiais e de qualquer pessoa ou grupo social que não faça parte da elite brasileira de homens ricos e brancos sejam questionados.

Segue o texto aprovado pelo CEC:

MOÇÃO DE REPÚDIO PELO CANCELAMENTO DO ESPETÁCULO TEATRAL“SEBASTIAN” NO 23º. FESTINVER

O Conselho Estadual de Cultura do Estado de Santa Catarina vem a público repudiar o cancelamento do espetáculo teatral “Sebastian”, produzido pelo Simurg – Núcleo de Pesquisa Cênica da Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS), que seria apresentado no dia 18 de julho de 2018 no 23º. Festival de Inverno de Gaspar (FESTINVER), em parceria com o 31º Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (FITUB).

Segundo a publicação na página da UFRGS, universidade na qual o espetáculo foi desenvolvido, o mesmo aborda a temática “do sofrimento das vítimas do preconceito, intolerância e violência no Brasil, sendo elas os membros da comunidade LGBTTQI+, principalmente travestis, transexuais e mulheres.” Mais uma vez acompanhamos o cerceamento da liberdade de expressão e criação artística no país, desta vez com a justificativa de contradições na classificação indicativa do espetáculo (pelo fato do mesmo conter cenas de nudez). 

É triste o fato da comunidade local de Gaspar ter sido prejudicada com a supressão da discussão deste tema urgente abordado pelo espetáculo, através de um ato que reitera e representa a estruturação da violência em diversos graus na sociedade brasileira: a violência a toda a classe das minorias marginalizadas socialmente não é apenas a física, mas também a simbólica, a jurídica, a patrimonial, a financeira, a emocional e a institucional. É com base nestas premissas que o Conselho Estadual de Cultura do Estado de Santa Catarina se solidariza às e aos artistas, técnicas e técnicos do espetáculo, e com a organização do 31º Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (FITUB), e torna público seu apoio para que continuem resistindo às violências através da arte.”

Preciso registrar aqui que uma frase de minha proposta inicial de moção de repúdio à censura da apresentação do espetáculo “Sebastian” em Gaspar foi vetada. Esta frase destacava justamente questões de gênero e sexualidade, temáticas centrais do espetáculo, além de citar minorias sociais marginalizadas e usurpadas em seus direitos. A justificativa para excluir tal frase da moção foi que o CEC não deve “defender pautas de determinados grupos sociais”, e sim “a liberdade de expressão como um todo”. Ora, minha gente, desde quando somos um todo? Se o fôssemos, não viveríamos em um mundo tão bom pra uns e tão ruim pra outrxs. Se a própria cultura é diversa, como ignorar as demandas e questões próprias da diversidade cultural, presentes em obras artísticas e em manifestações culturais de modos específicos? Estes discursos são indícios dos tempos em quevivemos...

Por isso, camaradas, é preciso estar atenta e forte!
Florianópolis, 10 de agosto de 2018.