OCUPADOS E OCUPADAS, DESOCUPADOS E DESOCUPADAS, PREOCUPADOS E PREOCUPADAS


Ao longo dos últimos dez dias temos discutido constantemente para pactuar uma base que sustente o movimento OCUPACIC, buscando esclarecer o que nos move e como. Este pensamento é coletivo e está em construção, como tudo por aqui. Ao escrever esses itens, queremos deixar claras para a sociedade civil determinadas posições.

1) MOVIMENTO INDEPENDENTE: O OCUPACIC não tem ligação com PARTIDO POLÍTICO ALGUM. Surgiu da ânsia de artistas e gestores culturais em buscar estratégias mais efetivas de mobilização e reivindicação, já que as táticas que o setor vem utilizando, como reuniões, cartas e acordos NÃO SÃO LEVADAS A SÉRIO PELO GOVERNO. O OCUPACIC foi criado como vontade espontânea, sem líderes, incitação ou participação de nenhum partido político ou entidade representativa do setor cultural. NENHUM REPRESENTANTE que compõe o Fórum Catarina da Cultura teve envolvimento na criação deste movimento, ele surgiu da sociedade civil e se caracterizou por ser um movimento de BASE. Após alguns dias de ocupação, algumas entidades representativas se uniram a nós, como o Fórum Catarina da Cultura. Não carregamos bandeiras partidárias, nem cnpj, nem ganhamos comissão. A união para este movimento se sustenta somente na vontade de mostrar a toda comunidade, passando por ternos e gravatas e pés descalços, que o artista e a cultura precisam de respeito, que a sociedade precisa de arte, que a cultura precisa ter união.

2) AGREGAR E REUNIR: Alguns dos objetivos do OCUPACIC são AGREGAR e REUNIR interessados pela CULTURA, ou seja, toda a sociedade. O setor cultural não está suficientemente articulado, e esse é um dos principais fatores que facilitam o descaso de nossos governantes para com a cultura catarinense. Boa parte dos governantes enxergam o setor cultural como rebeldes desocupados que precisam “procurar um trabalho”. Tais visões resultam em uma política cultural nefasta, despreocupada com projetos democráticos e amplos, como o edital Elisabete Anderle, tão citado por ser o ÚNICO exemplo. O governo tenta agradar aqui e ali, com políticas de balcão, e não nos vê como um todo sólido e persistente. O limite de sua percepção se dá na jogatina de usar a cultura como palco para suas campanhas, além de utilizar as verbas públicas da cultura a seu bel prazer, como foi o caso das duas edições da Maratona Cultural e do show de Paul McCartney. No último, R$ 800.000,00 da SANTUR foram repassados para a produtora RBS (lembrando que o show cobrava entrada a preços altíssimos).

Isso precisa mudar! CABE A TODOS NÓS SERMOS MAIS TRANSPARENTES E ENTENDER COMO A VERBA DA CULTURA DEVE SER EMPREGADA. NÃO DEVEMOS ABRIR MÃO DAS DEMANDAS CULTURAIS DE NOSSO ESTADO EM PROL DE NOSSOS PROJETOS INDIVIDUAIS. Ocupar também é uma oportunidade para criarmos laços! E isso nos leva ao terceiro, e acreditamos, o mais importante dos itens resumidos aqui:

3) AMPLIAÇÃO DO CONHECIMENTO: É fato que entender como funciona a articulação das Políticas Culturais é uma tarefa árdua e complexa. Assim, o movimento se viu diante da necessidade de INFORMAR agentes culturais. Ao longo dos dias em que estivemos no CIC, tivemos a oportunidade de compartilhar entre nós informações sobre leis, direitos, históricos de nossa classe e nossos governantes e pensar sobre a forma como somos tratados e como nos deixamos ser tratados pelo governo. Conversamos com alguns de nossos representantes no Conselho Estadual de Cultura para entender como as coisas se dão lá dentro e para questioná-los sobre suas posturas enquanto nossos representantes. Conversamos com professores que compartilharam seu conhecimento sobre a política cultural desenvolvida em Santa Catarina e sobre arte política. Ouvimos muitos desabafos, tivemos a presença de uma das pessoas que ajudou a elaborar o Plano Nacional de Cultura e que nos ajudou a entendê-lo de forma mais ampla e vertical.

Cultura e educação são as coisas que mais oportunizam avanços significativos na consciência política popular. Com incentivos à cultura e à educação, o povo seria mais questionador, mais participativo e isto conferiria qualidade ao exercício democrático, em vez de fácil manipulação e alienação. SE A EDUCAÇÃO E A CULTURA NÃO VÃO BEM, É POR PURA FALTA DE INTERESSE DO GOVERNO DE INVESTIR EM NÓS, CIDADÃOS, PARA SERMOS MAIS INTELIGENTES E ENGAJADOS EM MUDAR O QUE NÃO NOS AGRADA. É a nossa cultura, nossa educação. É o respeito com o outro. É necessário que se crie uma política pública de cultura de Estado, e não de Governo. E só tendo uma compreensão ampla sobre as políticas que regem a Cultura é que podemos avançar, exigir, conservar e desenvolver a CULTURA.

4) O QUE É CULTURA PARA NÓS: Cultura não é apenas essa ou aquela arte, é a forma como nos manifestamos, comunicamos e construímos identidades. Ou seja, é uma luta que não está restrita a linguagens artísticas apenas. O movimento OCUPACIC não parte de uma visão simplista do termo Cultura, ele não é entendido como o lazer de fim de semana do cidadão (não que sejamos contra qualquer lazer), mas, como toda a concentração de nossos conhecimentos, práticas e heranças culturais no sentido mais amplo. Como por exemplo, nossa dívida cultural com a cultura negra, que se implode na nossa relação com a história quilombola; a questão caótica dos povos indígenas do nosso estado, transformados em mendigos nos quais tropeçamos nas ruas do centro da nossa cidade, onde oferecem seu artesanato como se não significasse a mais arcaica herança de nossa formação cultural; a situação de nossos museus e arquivos públicos, distanciados do nosso dia-a-dia, em que enormes acervos são deixados às traças, a desvalorização dos artistas que desenvolvem uma pesquisa continuada, os artistas de vanguarda, que apesar de muitas vezes estarem a margem da mídia, fazem acontecer um fluxo de conhecimento e experimentação artística. Nesse âmbito maior, situamos também a Cultura do nosso povo mais próximo; no nosso caso, em Florianópolis, o descaso com a cultura açoriana, presente no cotidiano dos nossos pescadores e toda a ampla e generosa contribuição desta cultura com sua mitologia particular e fantástica. A falta de espaço para nossas rendeiras, que, mais do que simples artesãs, são porta vozes de gerações e gerações de sabedoria e experiência. O movimento OCUPACIC entende Cultura muito além de como tem sido divulgado pela mídia de massa, e pretende que este esclarecimento público demonstre a amplitude de nossos objetivos. O movimento OCUPACIC não está pedindo mais dinheiro para o setor cultural, PEDIMOS MAIS RESPEITO E VALORIZAÇÃO PARA TODA A NOSSA CULTURA!

Entendemos que política pública de cultura não serve apenas para dar trabalho ao setor cultural ou elaborar alguma lei de incentivo cultural através de renúncia fiscal. Política Pública de Cultura também passa por educação e formação de público, instrumentalização para apreciação e fruição artística e tomada de consciência crítica. POLÍTICA CULTURAL É PARA OS CIDADÃOS!

5) QUEM SOMOS NÓS, ARTISTAS DA FOME: O movimento OCUPACIC foi iniciado por artistas de SC e portanto é muito importante que deixemos claro quem são os artistas em questão. Quando se lê em um jornal ou se ouve no rádio ou se assiste na televisão uma notícia que fale de “artistas”, muitos de nós podem imaginar que somos os artistas globais, imitação hollywoodiana que pode ser vista na televisão como nababos ricaços que levam vidas suntuosas. Por favor, não somos isso. Quando se vê “artistas” precisamos enxergar pesquisadores/estudantes que estarão em muitos casos ensinando nossas crianças e transmitindo essa herança cultural para elas, competindo contra todos os ataques da cultura de massa. Artistas também são técnicos que fazem acontecer espetáculos e que trabalham sem serem percebidos sobre os refletores. São também artistas de rua que, sem cobrar pelo seu trabalho, poderiam se servir de políticas públicas democráticas. Estão incluídos aqui também os inúmeros grupos, de música, teatro, audiovisual, artes visuais, circo, artes plásticas, dança, orquestras, museus, arquivos públicos, técnicos, gestores culturais, coletivos e associações que REFLETEM, PESQUISAM, RESGATAM, DIVULGAM, RECICLAM, INVENTAM E REINVENTAM TODO ESSE UNIVERSO QUE É A HERANÇA CULTURAL DE UM POVO.

E por fim, como os atletas no mundo do futebol, os artistas ricos, famosos e glamourosos são a ponta do iceberg. Quando se lê artistas, deve se ler cidadão comum, que leva seu filho na escola, que trabalha, que paga contas, que divide o ônibus com você. Enfim, quando se lê artistas, precisamos ler também: cidadãos comuns que estão questionando ações do governo. Reflita bem, você não questiona ações do governo? O jornalismo sério e a advocacia não têm também esse papel? Como cidadãos, temos todo o direito de discutir, questionar e pressionar nossos governantes e representantes, de maneira pacífica, civilizada e madura e, quando necessário, criando barulho para sermos ouvidos.

6) NÓS SOMOS NOVOS, MAS SOMOS OS MESMOS DE ANTES: O movimento aqui iniciado é independente, é uma zona autônoma, que agrega os diversos movimentos em prol da cultura, mas que se caracteriza de forma diferente, por ser um MOVIMENTO DE BASE, um movimento vivo que não ocorre em assembleias curtas e sim em PRE-OCUPAÇÕES (encontros de um dia e uma noite para formação e articulação de nossas ações) e OCUPAÇÕES (ocupações temporárias de locais que são foco de nossas preocupações).

O primeiro acampamento do OCUPACIC durou cinco dias (de 23/04 a 27/04) e fomentou debates, formação, construção de documentos, aulas abertas, ensaios abertos, troca de experiências, assembleias e, o mais importante de tudo, reforçou a base, uniu as pessoas, colocou-as frente a frente, sem máscaras, cargos ou qualquer diferença, no palco simbólico do Centro Integrado de Cultura, sede da Fundação Catarinense de Cultura, em Florianópolis. Na roda do OCUPACIC toda fala tinha o mesmo valor: a do professor universitário, que tinha sempre a experiência para trocar, a do artista indignado, que com sua indignação atacava os fatos mesmos, e a do estudante universitário que dizia "podem me explicar o que é CEC? Não estou entendendo nada", ou, depois de uma semana, "essa semana aprendi mais sobre política cultural do que em todo meu curso universitário". Não havia diferenças entre diretores e produtores, profissionais e amadores, graduandos e pós-graduandos e outras dualidades... Fomos coletivo de ação e relação (e reação).

Mesmo que o Movimento faça parte de uma longa trajetória de lutas e reivindicações do setor da cultura no estado, o OCUPACIC se destaca por uma fundamental diferença de outras manifestações da classe cultural: o movimento é continuado, permanente. Não é pontual, é estadual. Não se encerra na luta contra um fato isolado.

Sempre que formos agredidos, nos defenderemos. O OCUPACIC pretende atacar (e quem levar essa metáfora para o lado da violência, como se fôssemos vândalos e arruaceiros, terá um raciocínio muito pobre - além de muita imaginação, pois quem viu as pessoas acampadas no CIC sabe que o movimento é pacífico). Nós queremos atacar e nos fazer presentes. Não iremos ceder.

Desta vez não teremos que voltar para casa e nos adaptar aos desmandos anti-éticos de um governo desrespeitoso. A luta agora é por uma pauta ampla, de maneira continuada e articulada democraticamente. O movimento OCUPACIC se mostrou a fim de comprar essa briga e depende, precisa, necessita, conclama, se faz da adesão de TODOS os artistas (profissionais e amadores, técnicos, etc...), TODOS os estudantes (da UFSC, da UDESC, de cursos que não sejam de arte como apareceram muitos no OCUPACIC), TODOS os professores (universitários, de ensino médio, públicos ou privados, pois eles sabem do valor de uma conquista como essa para nós), TODOS os agentes culturais (produtores, pesquisadores, etc...) enfim, de TODOS os cidadãos, pois as reivindicações do OCUPACIC são para TODOS e reverberarão em TODOS quando conquistadas por TODOS.

O movimento OCUPACIC foi, sim, foi além da grande maioria das manifestações anteriores da área cultural na última década e isso não as diminui. É um transbordamento. Ir além não é ultrapassar, deixar para trás, até porque acreditamos que TODOS que participaram das manifestações anteriores apoiam e acreditam no movimento OCUPACIC hoje, e estão se preparando para engrossar o caldo na próxima ação. A porta está aberta para que façamos a diferença a partir de agora. Não vamos perder essa oportunidade.